Do poema "Eu também soul, América!"
Meus pais
Nunca foram expressamente proibidos
De entrar aqui ou ali.
Mas também
Nunca passaram na porta
Por conhecerem seu lugar
Não o da porta.
Do livro “Nas águas desta baía há muito tempo: Contos da Guanabara”
O irmão, Quirino, tinha sumido na mata, parece que comido por onça – bicho que gosta de carne de preto, porque é docinha, dizem.
Nela
Notas e acordes vêm
rolando lá de cima
Da Serrinha da alma
Como o canto de todos
os anjos
Do poema "Brechtiana"
Primeiro
Eles usurparam a matemática,
A medicina, a arquitetura
A filosofia, a religiosidade, a arte
Dizendo tê-las criado
À sua imagem e semelhança.
Depois,
eles separaram faraós e pirâmides
Do contexto africano -
Pois africanos não seriam capazes
De tanta inventiva e tanto avanço.
(...)
Então,
Reservaram para nós
Os lugares mais sóirdidos
As ocupações mais degradantes
Os papeis mais sujos
(...)
Agora, chega!
Do romance "A lua triste descamba”
Dizem que fez a passagem tranquilo, como se tivesse pego no sono. Mas mesmo assim teve mulher lá que deu ataque. Uma caiu junto da cama, outra no corredor, outra guinchava e se debatia, rolando pelo chão. (...) Naquela época, enterro que não tivesse mulher histérica dando ataque não era enterro.
Do romance “Mandingas da 'Mulata Velha' na Cidade Nova"
Todo indivíduo é um elo na cadeia da existência, repassando
aos seus descendentes o que recebeu de seus ancestrais. A transmissão correta e
direta desse saber precisa de tempo e lugar. O tempo é agora. O lugar é este.
Do poema "Adivinha"
Pra desembocar no mar.
A voz somente se solta
Se a alma se libertar.
Do poema "Eu, o sujeito do discurso"
Vossa Excelência é o presidente desta casa.
Que tem quatro quartos, um cesto, dois terços
E um quinto dos infernos.
(...)
Só pra gente entender como é esta casa,
Nela a privada é um ministério público
Que tem um pé na cozinha
(...)
E uma rocinha nos fundos.
(...)
Data vênia, esta é a casa
Em que vossa indecência
Casa com a presidência.
Do livro “Nas águas desta baía há muito tempo: Contos da Guanabara”
- Mas... como se volta pra Aruanda, pai? Aruanda é Luanda
na língua de preto. É em Angola. E tio Lauro veio de Queto; é nagô, de outra
região. Ele às vezes conta histórias de Angola, mas não é de lá.
O pai não sabia desses detalhes, nem imaginava que o filho
conhecesse a geografia do continente africano. Aliás, nem sabia direito se a
África tinha geografia.
Do poema "Caixa de Ferramentas"
E eu não sabiaQue a régua de nível
Com aquela bolha incrível
O fio de prumo
O peso de chumbo
A colher de pedreiro
(Suja o tempo inteiro)
E a desempenadeira,
Bem mais que proibidas brincadeiras
Com suas sugestões de geometrias
E físicas irreais,
Era ícones, totens, emblemas
E muito mais,
Meu pai:
Era o pão nosso de cada dia...
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