quarta-feira, 24 de abril de 2019

Um pouco de Nélida por ela mesma


Os trechos a seguir foram todos colhidos no Livro das Horas, um volume de memórias da autora, publicado em 2014 pela editora Record.



“Ainda que arrote grandeza, engrosso, como os demais, o rol da insensatez coletiva, perturbo a paz da cidade, consumo mil litros de água por mês.” (p. 94)
 “A cada dia aprendo a amar. A família, os amigos, a língua, as instâncias da vida e da arte. Tudo que ausculto e responde ao chamado. O que arfa, respira e acolhe-me sem eu haver pedido.” (p. 18)



Sobre escritores que ama
“Sou grata a estes autores vinculados ao meu alvoroço literário. Graças a eles misturo Cervantes e Karl May, o escritor alemão. E por que não? E que diferença há entre eles, se ambos despertaram em mim o apetite pelas peripécias, pela urdidura que conduz ao âmago da narrativa? Embora díspares no que diz respeito à grandeza, os segredos e os prantos os igualam. Na companhia deles, divirto-me. Cada qual me conduziu ao outro lado de uma fronteira que inexistia no início da leitura.
Viajantes da alma humana, estes senhores das lorotas guardam intactas em sua essência as ações humanas, o inabalável instinto das aventuras. (...)  Considero-os feiticeiros que teceram para os personagens enredos que não ousaram eles próprios viver.”  (p. 37/38)

Sobre a morte
“Desfaço aos poucos as ilusões com que afago o ego e deixo aberta a porta da casa a fim de facilitar o ingresso da dama com foice na mão. (...) Mas enquanto essa dama não chega, concedendo-me quem sabe anos, dou-me ao luxo de desperdiçar o tempo que me resta. Sem perceber que, conquanto aparente ser a única proprietária deste tempo, fabrico velozmente a própria morte.” (p. 94)

Sobre Deus
 “Nem Deus é poupado de ouvir o que os homens Lhe dizem com o propósito de emudecê-lo. A sorte é que Deus não escuta os homens, desinteressa-Se das suas aflições e tolices, de suas questões comuns, como pagar contas, arrumar um amor, emprego, saúde, e pedidos de glória.” ( p. 102)

Sobre o século em que vivemos
“Mal começou e o século XXI já me parece envelhecido. Amaldiçoa-nos com seu ar de falso vencedor, cujo teatro do terror, amparado na limpeza étnica, religiosa e ideológica, ameaça-nos com expurgos, genocídios, crueldades inauditas.” (p. 112)

Sobre cultura
“Há que dar um basta à crença de ser a cultura privilégio dos cultos que mantêm no gueto qualquer obsessão criativa ou interpretativa contrária à sua. A cultura, em que patamar esteja, onde se esconda, nas cavernas ou nos subterrâneos, reflete a avassaladora alma de um povo.” (p. 134)


Veja também: Nélida Piñon, homenageada da FLIM 2019
                         Os livros de Nélida
                         Elegância e ousadia, caviar e feijoada

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